terça-feira, 21 de julho de 2009

O Homem-Cão

Não entendo por que tanta mulher chama os “cafajestes” de “cachorros”. Como se uma espécie fosse tão parecida com a outra. E não são! Os Cachorros, como sabe-se desde pequeninos, são domesticados, fiéis e até mesmo “tolos”. Sim. Tolos.
Presos a uma coleira invisível, ao primeiro sinal da dona eles se esgueiram e seguem à sua companhia. Nunca saem do diâmetro imposto pela guia. Se roem alguma coisa errada, levam um belo esporro e até mesmo um tapa no focinho (as donas mais bravas tendem a ser perigosas para seus animais). Não devem urinar fora da área devida, senão também levam uma sova (...).
Mas, como todo animal domesticado, aprendeu a fazer a manha mais eficaz do reino animal. Uma carinha de abandonado e logo ganha um ossinho (ou uma carninha mais gorda, se é que me entendem). Arranham a porta da frente quando são postos pra fora de casa e, ganindo, derretem o coração de qualquer megera. E assim conquistam seu espaço.
Sem saberem, Mulher e Cachorro criam uma dependência doentia. Apesar de serem complementares, a simbiose é obrigatória e o Cachorro já não consegue mais se livrar da coleira. Quando ele encontra algo novo na rua, sua dona encurta a guia e logo o Cachorro engasga. Poor guy.
A Mulher também não consegue desfazer-se do seu bichinho de estimação, porque ele dá a ela a sensação de poder, de dominatrix. Numa sociedade tão machista como a que vivemos hoje, isso é um triunfo!
E assim eles vão vivendo. O Cachorro com sua dona e a Mulher acordando todos os dias com a baba do seu animalzinho, que ela domina por completo.

Cachorros presos a um relacionamento encoleirado? Prefiro os pássaros que vêm por livre e espontâneo prazer à minha janela, todas as manhãs, só para cantar alguma coisa à toa. E depois voam.
Eu sei que vão voltar porque querem, e não porque mantive-os encarceirados.
Talvez isso seja o que chamam de amor.

Cada um no seu sapato

Entro no banheiro para retocar a maquiagem. Minha pele desnuda é tão sem graça. O shopping lotado de criaturas sufocadas por sacolas, escravas de vontades fúteis. Mas não aquela que me fita.
Do meu lado pára uma criança de no máximo 7 anos. Ela se apóia no balcão. Mal consegue enxergar o espelho à sua frente. O mesmo no qual eu enxergo minha própria imagem. Ela me fita com uma curiosidade sincera e sem-vergonha. Eu me deixo fitar, também curiosa pelo interesse da menina. Passo o pó. Logo depois o lápis vai delineando o contorno dos meus olhos já opacos de tanta desilusão. Será que a boneca ao meu lado sabe o que isso significa?
A suposta mãe da minha admiradora deposita uma bolsinha sobre o balcão. Depois de uma luta exaustiva, a menina consegue alcançá-la e dela tira um batom. Percebo seus movimentos, copiando os meus... por que ela iria querer ser como eu?
Dou uma risada, e continuo o meu trabalho. Sou tão adulta como uma criança que se pinta ou tão criança como uma adulta que se maqueia? Ela parece envelhecer um ano com aquele batom vermelho. Mais tarde ela vai querer limpá-lo. Logo depois, vai querer se embelezar de novo...
A mãe olha a sua cria e diverte-se. Se eu fosse ela, mandaria largar o batom. Ela não vê que a beleza da filha reside em não ocultá-la sob tintas e mais tintas? Olho pra mim mesma e penso se não é melhor tirar todo aquele peso sobre minha tez.
Imagino demais? A menina não entenderia nada do que eu entendo. Mas, ao sair, ela me lança um último olhar. Persistente. Eu leio seus olhos dizendo “quando crescer, quero ser como você”. Fico pensando se ela lê em mim uma vontade apertada no peito de ser como ela. Inocente, ignorante de tanta maldade e tanta alma errante no mundo.
Claro que não. Ninguém percebe a beleza inédita de ser o que se é e da época em que se vive.
Umedeço os lábios pintados de vermelho. Estou pronta pra sair do banheiro.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Open Up

Há muito tempo eu tive uma “melhor amiga”. Toda menina tem uma, né? Mas o tempo passou, a gente cresceu e nossos caminhos simplesmente se afastaram um pouco. Surgia a sensação de vazio, distância... esquecimento. Todas as frases bonitinhas pareciam morrer, uma a uma, em frente à minha cara. Nós nunca nos esquecemos, é claro. Mas a nostalgia e a sensação de decepção me perseguiram por tanto tempo...

Depois disso eu demorei para me “entregar” a uma nova amizade. Quantas belas chances de ótimas amizades eu perdi? Não sei dizer. Mas que perdi, disso eu tenho certeza. Isso acontece o tempo todo, com muita gente: o medo do novo. Perder algo que há muito tempo foi cultivado pela gente dá um desconforto sem igual... mas isso não quer dizer que novas conquistas não serão igualmente (ou até mais!) emocionantes. Só que a gente, muitas e muitas vezes, não quer enxergar isso. Teimamos no velho, naquela referência batida de relacionamento! Assim caminhamos para voltar no tempo, ao invés de avançar. E pra sempre insistimos no mesmo erro. Ninguém quer se decepcionar mais de uma vez.

Aceitação. Essa é a palavra de ordem e progresso. Tanto aceitar que o que aconteceu era pra ser, quanto aceitar novos relacionamentos, novas pessoas, novos amores. Permitir-se ser alcançado e ser receptivo às novidades que Destino nos trouxer. É assim que conhecemos novos “melhores amigos”, novos amores e até mesmo novos lugares e novas culturas.

Sim, porque qualquer mudança envolve aceitar o passado, encarar que o futuro não será mais como era antigamente e receber o que puder ter em mãos.

Já viu um garimpeiro perder uma pepita de ouro? É porque ele não prestou atenção... O ouro, que no caso seria toda regalia que cai em nossas mãos por acaso, não perde o seu valor por ter sido encontrado ou não. Ele continua sendo aquele mineral com valor monetário grande. Mas, enquanto ele não for achado, não poderá enriquecer o garimpeiro. E, para achá-lo, é preciso exímia atenção e procura exaustiva.

Assim somos e assim seremos: defensivos. Ninguém quer pôr suas cartas a perder. Mas, algumas vezes já a perdemos e não admitimos. É aí que ocorre o erro: achar que o passado ainda é parte do presente e insistir num sentimento que já foi consumido. Pode ter sido bom enquanto durou. Mas não é porque foi bom por uma época que assim será para sempre. Os tempos mudam e nossas necessidades também. Bom é saber respeitar nosso tempo e ter o peito aberto às novas caras e gostos. Assim é que nos apaixonamos... por outros, por nós mesmos de novo e pela vida que não deve permanecer no passado nunca.

Vá de braços abertos, mas não deixe de abraçar as possibilidades.


foto por: Eliza Beth

sábado, 6 de junho de 2009

Quebra a cabeça!

"Nem tudo que se encaixa deve permanecer 
encaixado. E nem tudo que parece se encaixar realmente se encaixa."

Quando era pequena, ao tentar montar quebra-cabeças, eu extrapolava as regras. Algumas peças pareciam se encaixar perfeitamente, a um primeiro olhar, mas ao tentar colocá-las juntas, não dava. Mas, pela primeira impressão que eu tinha, insistia em montar daquele jeito. Nunca quebrei nenhuma peça! Contudo, perdia tempo teimando em peças que não deveriam permanecer lado a lado.
Muitas vezes nos deparamos com situações semelhantes. São relacionamentos que não dão certo, uma escolha profissional que não combina com a gente, ou um estilo que forçamos.
Tornando-nos reféns de uma teimosia própria que leva à perda de tempo e de concentração, focamos toda a atenção e dedicação a uma causa que desde o início já era perdida. Em vão, acreditando que nosso esforço será, um dia, recompensado. Tentando ajudar alguém que não quer ser ajudado, esperando dedicação alheia por um encontro que você tanto valoriza. Forçando o encaixe de duas peças que não foram feitas para se encaixarem.
Nosso olhar, mesmo que atento, é por vezes ludibriado por limites que parecem se complementar. É aí que nos enganamos. Talvez por falta de conhecimento, ou de experiência. Lembra-se daquele primo que sempre quis ser médico, mas ao chegar na faculdade descobriu que queria ser filósofo?
As peças reais, porém, se utilizam de um artifício desleal: são moldáveis e, com o tempo, podem não ter mais as mesmas curvas que tinham. Mais um obstáculo. Entender que os encaixes que outrora pareciam tão perfeitos, começam a se desfazer... aos poucos. Às vezes até demoramos para perceber. Por isso aquela sua amiga que namorou o Lucas por 5 anos não o namora mais. Cada pessoa tem seu tempo e sua metamorfose. Suas idéias, planos e metas mudam conforme sua experiência e maturidade. E, umas vezes,quem está ao seu lado permanece o mesmo, ou segue um outro caminho. Daí a liquidez das pecinhas... Vez ou outra, os encaixes voltam a aparecer, milimetricamente medidos novamente. Mas isso é capricho do destino... uma leve ironia do jogo.
E esquecemos que temos, no mínimo, um encaixe a mais... por que não dedicar mais tempo a outras peças, a outras formas? 
Porque a graça da brincadeira reside na procura e no lento processo de montagem... e depois que está tudo montado, o melhor a fazer é desmontar tudo... só para depois reencaixarmos as 5000 peças novamente.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

E ao abrir as asas....

Borboleta só abre as asas porque, ao sair do casulo, a saída é TÃO apertada que ela precisa fazer uma força descomunal. Assim os vasos são irrigados, tornando-a pronta para voar. Sem esse processo doloroso ela não voa.

Ela não voa.

E o casulo fica lá, perfeitinho. Mas fica lá. No passado...

Tem gente que nunca sai do casulo.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Sentir-se amado, por Martha Medeiros

O cara diz que te ama, então tá. Ele te ama.

Sua mulher diz que te ama, então assunto encerrado.

Você sabe que é amado porque lhe disseram isso, as três palavrinhas

mágicas. Mas saber-se amado é uma coisa, sentir-se amado é outra, uma

diferença de milhas, um espaço enorme para a angústia instalar-se.

A demonstração de amor requer mais do que beijos, sexo e

verbalização, apesar de não sonharmos com outra coisa: se o cara beija,

transa e diz que me ama, tenha a santa paciência, vou querer que ele faça

pacto de sangue também?

Pactos. Acho que é isso. Não de sangue nem de nada que se possa ver

e tocar. É um pacto silencioso que tem a força de manter as coisas

enraizadas, um pacto de eternidade, mesmo que o destino um dia venha a

dividir o caminho dos dois.

Sentir-se amado é sentir que a pessoa tem interesse real na sua vida,

que zela pela sua felicidade, que se preocupa quando as coisas não estão

dando certo, que sugere caminhos para melhorar, que coloca-se a postos

para ouvir suas dúvidas e que dá uma sacudida em você, caso você esteja

delirando. "Não seja tão severa consigo mesma, relaxe um pouco. Vou te

trazer um cálice de vinho".

Sentir-se amado é ver que ela lembra de coisas que você contou dois

anos atrás, é vê-la tentar reconciliar você com seu pai, é ver como ela fica

triste quando você está triste e como sorri com delicadeza quando diz que

você está fazendo uma tempestade em copo d´água. "Lembra que quando

eu passei por isso você disse que eu estava dramatizando? Então, chegou

sua vez de simplificar as coisas. Vem aqui, tira este sapato."

Sentem-se amados aqueles que perdoam um ao outro e que não

transformam a mágoa em munição na hora da discussão. Sente-se amado

aquele que se sente aceito, que se sente bem-vindo, que se sente inteiro.

Sente-se amado aquele que tem sua solidão respeitada, aquele que

sabe que não existe assunto proibido, que tudo pode ser dito e

compreendido. Sente-se amado quem se sente seguro para ser exatamente

como é, sem inventar um personagem para a relação, pois personagem

nenhum se sustenta muito tempo. Sente-se amado quem não ofega, mas

suspira; quem não levanta a voz, mas fala; quem não concorda, mas escuta.

Agora sente-se e escute: eu te amo não diz tudo.

terça-feira, 12 de maio de 2009

O Homem Vidrado

Ele sempre quis ter certeza de que teria sua estátua de vidro consigo. Saudade não era parte de seu vocabulário, nem deveria ser incluída. Não era zelo ou coisa parecida, mas sim uma necessidade de observar aquela mulher sinuosa sobre o mármore gelado. Dizia ele que através dela o mundo parecia diferente... com variadas formas e cores. Seu prazer incomensurável... um deleite que só ele poderia explicar.

Por ter de se dividir entre Espanha e Inglaterra, mantinha uma estátua de vidro feminina em um lugar e outra noutro. Assim ele poderia admirar sua amada e ver o mundo através de sua lente. Sempre.

Sua suposta esperteza, porém, caiu por terra com o passar do tempo. Com tanto observar, ele criou um afeto especial por cada uma, de forma única. Percebeu que por mais parecidas que fossem, cada uma tinha seus ângulos sutilmente diferenciados. O que causava uma admiração e visão de mundo muito díspares.

Então começou a sentir saudade... e a estátua de vidro que ficava em Londres não satisfazia a falta que a estátua de Maiorca fazia. E o próprio vidro de suas mulheres começou a derreter, enciumado. Pois uma sabia da existência da outra.

E foi assim que ele perdeu a sua primeira estátua de vidro... liquefeita no chão da casa. Um horror! E a partir de então, buscava sempre uma estátua igual àquela... que o fazia ver o mundo como ela e só. Sem nunca entender que não haverá outra igual.

Nem de vidro, de gelo, ou real.


segunda-feira, 11 de maio de 2009

Soneto de Fidelidade, por Vinícius de Moraes

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.



quinta-feira, 23 de abril de 2009

Muitos passarinho, Outros passarão.


Em cada nova encruzilhada que enfrentamos, partimos. Deixamos para trás alguma parte de nós mesmos. Do coração, da mão ou do pulmão. Pouco importa de onde arrancamos esse nosso pequeno “eu”, mas sim que temos de deixá-lo lá.

A cada erro, a cada tropeço, temos a chance de um novo começo. Mas, para seguir em frente, o pé tem de se mover adiante. A pegada que fica no lodo que foi o passado eu já nem vejo mais. Toda dor que causei, todo mal que plantei, eu pedi perdão e entendi que não adianta insistir no sofrimento. Sofri junto, acalentei tantas noites de pesar... chorei em silêncio e em quietude guardei assombrações que só quem sentiu sabe como machuca. Mas passou. E eu vi pessoas pequenas darem passos de gigantes.

Elas também aprenderam que a marcha é dura, mas necessária.

Às vezes choramos nossos próprios erros achando que é a decepção com outros. E nunca encontramos nossa paz, porque não entendemos o que queremos deixar quieto. Como um quebra-cabeça ainda por fazer, somos atraídos a ele. Talvez por vaidade, por querer provar que podemos resolvê-lo. Mas não há mais o que fazer.

Vai, Pequena. Deixa em paz o que não é mais seu, apesar de ser parte de você. A borboleta também se desfaz de seu casulo pra poder voar. E assim seguimos o fluxo dessa louca vida... reproduzindo nossas idéias e sentimentos, por brotamento mesmo. E sem parar, nunca!

Para chegar ao futuro, é preciso livrar-se do passado, mesmo que às vezes eles pareçam se confundir. Vez ou outra nós é que nos confundimos, porque alguma maldita areia-movediça nos puxa ao abismo que é tudo pelo que já vivemos.

Se eu pudesse dizer alguma coisa, eu diria que guardasse suas belas poesias, amadurecesse a alma que é grande e caminhasse pra longe de toda essa sujeira.

domingo, 19 de abril de 2009

You hurt, you learn.

Buda pregava que o sofrimento é inevitável diante do apego ao mundo, às coisas materiais e só acabaria quando percebêssemos o caráter ilusório dele. Mas Carlos Drummond de Andrade cita que “a dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional”. E não é?

Quando se é criança, é normal se machucar. Cair da bicicleta, ralar o joelho, dar com a cara no chão. Dói. Dói demais, e você deve se lembrar de vários tombos pela infância. Mas você pode escolher fazer um escândalo, fazer bico, uma manha... apesar de que logo passa, e você parte pra outra aventura.

À medida que o tempo passa, a dor muda de cena. São decepções em relacionamentos com amigos, pais, irmãos, amorosos... Talvez por esperar demais de alguém e acreditar que essa pessoa possa corresponder ao que nos é desejado, criamos expectativas que nem sempre são concretizadas. Culpa de quem? De ninguém, a história caminha assim mesmo. Por entre ilusões e atitudes concretas. Mas essa é a palavra chave: atitude.

É a atitude que determina se você opta pelo sofrimento ou não. Se você vai ficar se afundando e insistindo na sua decepção ou não.

Eu acreditei, por muito tempo, numa ilusão que eu mesma criei. E por gostar demais, me ofereci por inteira. Eu comecei a sofrer, por opção, há muito tempo. E acabei me desgastanto demais. Transpus barreiras, briguei com muita, muita gente que me alertava a cuidar mais de mim mesma, descuidei de muitas outras pessoas que me queriam bem, até mesmo família. Venci medos... acreditando que o sacrifício valeria a pena. Foi quando me decepcionei. Dei por mim e vi que da outra pessoa, eu mal tinha uma amizade. Nem sei quantas vezes ela ficou feliz por me ter por perto de verdade.

O sofrimento não me retornou quase nada. Nem sei se alguma vez retorna. Da minha paixão, retirei principalmente o que a palavra realmente significa. “Sofrimento”. Eu fui feliz concomitantemente ao tempo que sofri, mas foram lampejos de felicidade. Eu poderia ter escolhido ser feliz com momentos de dor.

O apego nos torna reféns de nós mesmos. E gostar de outra pessoa ou de outra coisa nos impõe um risco muito grande: de se sentir impotente, fraco. E tudo sai de nosso controle... Mas quando o sentimento é sincero, e você é leal consigo mesmo, não se deve arrepender de ter sofrido. E sim aprender que os sentimentos das pessoas fogem do nosso controle e infelizmente não podemos simplesmente buscá-los dentro de alguém. Nem seria justo. Eles devem ser ofertados... E se insistir faz efeito ou é apenas prolongar o sofrer, eu não sei. É como uma corrida de cavalos. Você aposta e fica apreensivo o tempo todo, mas pode acabar ganhando uma bolada de dinheiro. Talvez essa seja a sua atitude. Talvez desistir seja mais rápido,muito mais defensivo, mas menos rentável também. Cada um escolhe seu caminho.

Abra os olhos!


Meu irmão sempre me dizia: “o mal do ser humano é ser muito ambicioso. A gente nunca se contenta com o que tem.” Eu não posso concordar mais. Se temos uma boa casa, queremos uma ainda mais arrumada ou maior. Se temos um bom emprego, queremos sempre um cargo mais alto. Se temos alguém com perto, queremos alguém menos “defeituoso”. Entre o doce e o amargo, a ambição nos leva além, nos impulsiona a uma versão melhor de nós mesmos. Mas será que já temos o que precisamos... e só não valorizamos devidamente? 

Ambição ou ingratidão?

A velha história da “grama do vizinho ser mais verde do que a minha” me vem à cabeça várias e várias vezes. Ou talvez nem tenha um parâmetro de comparação como a grama do vizinho, mas as pessoas insistem em olhar pro seu próprio quintal por uma janela suja. E vêem tudo do lado de fora meio acizentado... Parece uma anorexia sentimental! Vê-se qualidades próprias, conquistas pessoais e relacionamentos com uma configuração deturpada. Logo, a própria vida do indivíduo soa diminuta, insatisfatória. Quando, na verdade, coisas boas o cercam o tempo todo. Mas ele não percebe, porque perde seu tempo olhando pro chão. E, por isso, ele almeja alguma coisa ainda mais grandiosa, sem se tocar de que algo maior esteve encarando-o o tempo todo. Ele só não viu.

É óbvio que a insatisfação nos encoraja a buscar uma evolução pessoal, mas nem sempre precisamos estar insatisfeitos, mas sim valorizar aquilo que já é nossa conquista, só que nem sempre demos tanto valor. Como uma cristaleira velha que esteve tanto tempo guardada, mas que ainda fica linda sobre a mesa de centro, ou quando perdemos um emprego e a agência retorna a chamar [e você não aceita! (é, eu já presenciei isso...)], ou uma pessoa que te valoriza demais e te quer bem, mas você a ignora.

Eu já vi muita gente reclamando que não tinha o que tinha. É como estar com o controle remoto na mão e, mesmo assim, procurar por ele loucamente na sala, na cozinha, no banheiro... e, por fim, descobrir que você esteve segurando-o o tempo todo! É uma pena, porém, que nem todo mundo venha a olhar pra própria mão e pensar: “ah, estive com ele o tempo todo, só não vi...”

Antes de se queixar de toda decepção e insatisfação na vida, presta atenção se o controle remoto não está na sua mão, pra não ser ingrato com o Destino. Acho que ele não gosta de gente ingrata... e joga isso na nossa cara mais tarde. Mas aí já é tarde demais, e talvez não tenhamos mais nem controle remoto, muito menos a televisão, e até mesmo o móvel onde a colocávamos. E nos lamentamos por ter perdido alguma coisa... mais uma vez!

segunda-feira, 6 de abril de 2009

A Separação como um ato de amor, por Martha Medeiros

É SABIDA A DOR QUE ADVÉM DE qualquer separação, ainda mais da separação de duas pessoas que se amaram muito e que acreditaram um dia na eternidade deste sentimento. A dor-de-cotovelo corrói milhares de corações de segunda a domingo — principalmente aos domingos, quando quase nada nos distrai de nós mesmos — e a maioria das lágrimas que escorrem é de saudade e de vontade de rebobinar os dias, viver de novo as alegrias perdidas.


Acostumada com esta visão dramática da ruptura, foi com surpresa e encantamento que li uma descrição de separação que veio ao encontro do que penso sobre o assunto, e que é uma avaliação mais confortante, ao menos para aqueles que não se contentam em reprisar comportamentos padrões. Está no livro “Nas tuas mãos”, da portuguesa Inês Pedrosa.


“Provavelmente só se separam os que levam a infecção do outro até aos limites da autenticidade, os que têm coragem de se olhar nos olhos e descobrir que o amor de ontem merece mais do que o conforto dos hábitos e o conformismo da complementaridade.”


Ela continua:


“A separação pode ser o ato de absoluta e radical união, a ligação para a eternidade de dois seres que um dia se amaram demasiado para poderem amar-se de outra maneira, pequena e mansa, quase vegetal.”


Calou fundo em mim esta declaração, porque sempre considerei que a separação de duas pessoas precisa acontecer antes do esfacelamento do amor, antes de se iniciarem as brigas, antes da falta de respeito assumir o comando. É tão difícil a decisão de separar que vamos protelando, protelando, e nesta passagem de tempo se perdem as recordações mais belas e intensas. A mágoa vai ganhando espaço, uma mágoa que nem é pelo outro, mas por si mesmo, a mágoa de se reconhecer covarde. E então as discussões se intensificam e quando a separação vem, não há mais onde se segurar, o casal não tem mais vontade de se ver, de conversar, quer distância absoluta, e aí se configura o desastre: a sensação de que nada valeu. Esquece-se o que houve de bom entre os dois.


Se o que foi bom ainda está fresquinho na memória afetiva, é mais fácil transformar o casamento numa outra relação de amor, numa relação de afastamento parcial, não total. Se os dois percebem que estão caminhando para o fim, mas ainda não chegaram no momento crítico — o de se tornarem insuportavelmente amargos — talvez seja uma boa alternativa terminar antes de um confronto agressivo. Ganha-se tempo para reestruturar a vida e ainda se preserva a amizade e o carinho daquele que foi tão importante. Foi, não. Ainda é.


“Só nós dois sabemos que não se trata de sucesso ou fracasso. Só nós dois sabemos que o que se sente não se trata — e é em nome deste intratável que um dia nos fez estremecer que agora nos separamos. Para lá da dilaceração dos dias, dos livros, discos e filmes que nos coloriram a vida, encontramo-nos agora juntos na violência do sofrimento, na ausência um do outro como já não nos lembrávamos de ter estado em presença. É uma forma de amor inviável, que, por isso mesmo, não tem fim.”


É um livro lindo que fala sobre o amor eterno em suas mais variadas formas. Um alento para aqueles — poucos — que respeitam muito mais os sentimentos do que as convenções.

terça-feira, 31 de março de 2009

Palavras, apenas...


Quantas mil vezes somos pegos de surpresa por um texto, uma frase, uma palavra? Pois é. Pode ser uma palavra áspera, de otimismo ou de conforto. Como quando precisamos de um gás, uma propulsão, e chega alguém do nosso lado, gentilmente sussurrando palavras capazes de animar até um moribundo.

O problema é que nem sempre sabemos o quanto essas palavras são sinceras. Ou melhor, seus interlocutores. E aí não tem jeito mesmo. É apostar suas fichas cegamente. Mas vale a pena pagar pra ver, quando não confia nem mesmo nas palavras desse alguém? Quem joga palavras ao vento joga seu caráter, sua honestidade e dignidade ao vento também. Porque esse é o contrato mais fiel de um homem: sua assinatura verbalizada sob cada palavra profetizada.

Não que eu acredite que todos sejamos vermes hipócritas. E sim, todos têm seu lado Pinóquio. Mas mentir por ingenuidade é infinitamente mais perdoável que envolver várias pessoas de seu convívio numa trama de joguinhos e palavras traiçoeiras, sabendo que elas correm o sério risco de serem muito magoadas.

Que não haja dúvidas: traição também é verbal.

É fácil demais encantar pessoas por meio de frases prontas, verbetes e elogios graciosos. “Sinto saudades”; “é bom estar aqui contigo”; e o clássico “te amo!”... Coisas assim, que criam expectativas, geram empolgação, sorrisos, vontade de ouvir de novo... Mas, com o tempo, as atitudes demonstram o contrário de todas essas palavrinhas mágicas e o desfecho da peça torna-se, aos poucos, dramático.

Porém, ainda piores talvez sejam essas palavras malditas e mudas. Que nunca são ditas... morrem no silêncio mesmo antes de nascerem. Frases que talvez mudassem o curso da história e fizessem você ser compreendido, porque nem tudo está sempre bem explicado. Frases que viram pó, numa fração de segundo, desarmadas por uma frase disparada da arma alheia, tal como um “estou feliz por te ter aqui”. Malditas frases hipnotizantes que nos tomam o ar e as nossas benditas frases junto...

E o teatro torna-se um monólogo assustado, em um só tempo. Descompassado, as falas parecem embolar-se umas nas outras e nada mais faz sentido. São só palavras pequenas. Palavras, apenas. Palavras... ao vento.


𝄞 Talk tonight, by Oasis