terça-feira, 21 de julho de 2009

O Homem-Cão

Não entendo por que tanta mulher chama os “cafajestes” de “cachorros”. Como se uma espécie fosse tão parecida com a outra. E não são! Os Cachorros, como sabe-se desde pequeninos, são domesticados, fiéis e até mesmo “tolos”. Sim. Tolos.
Presos a uma coleira invisível, ao primeiro sinal da dona eles se esgueiram e seguem à sua companhia. Nunca saem do diâmetro imposto pela guia. Se roem alguma coisa errada, levam um belo esporro e até mesmo um tapa no focinho (as donas mais bravas tendem a ser perigosas para seus animais). Não devem urinar fora da área devida, senão também levam uma sova (...).
Mas, como todo animal domesticado, aprendeu a fazer a manha mais eficaz do reino animal. Uma carinha de abandonado e logo ganha um ossinho (ou uma carninha mais gorda, se é que me entendem). Arranham a porta da frente quando são postos pra fora de casa e, ganindo, derretem o coração de qualquer megera. E assim conquistam seu espaço.
Sem saberem, Mulher e Cachorro criam uma dependência doentia. Apesar de serem complementares, a simbiose é obrigatória e o Cachorro já não consegue mais se livrar da coleira. Quando ele encontra algo novo na rua, sua dona encurta a guia e logo o Cachorro engasga. Poor guy.
A Mulher também não consegue desfazer-se do seu bichinho de estimação, porque ele dá a ela a sensação de poder, de dominatrix. Numa sociedade tão machista como a que vivemos hoje, isso é um triunfo!
E assim eles vão vivendo. O Cachorro com sua dona e a Mulher acordando todos os dias com a baba do seu animalzinho, que ela domina por completo.

Cachorros presos a um relacionamento encoleirado? Prefiro os pássaros que vêm por livre e espontâneo prazer à minha janela, todas as manhãs, só para cantar alguma coisa à toa. E depois voam.
Eu sei que vão voltar porque querem, e não porque mantive-os encarceirados.
Talvez isso seja o que chamam de amor.

Cada um no seu sapato

Entro no banheiro para retocar a maquiagem. Minha pele desnuda é tão sem graça. O shopping lotado de criaturas sufocadas por sacolas, escravas de vontades fúteis. Mas não aquela que me fita.
Do meu lado pára uma criança de no máximo 7 anos. Ela se apóia no balcão. Mal consegue enxergar o espelho à sua frente. O mesmo no qual eu enxergo minha própria imagem. Ela me fita com uma curiosidade sincera e sem-vergonha. Eu me deixo fitar, também curiosa pelo interesse da menina. Passo o pó. Logo depois o lápis vai delineando o contorno dos meus olhos já opacos de tanta desilusão. Será que a boneca ao meu lado sabe o que isso significa?
A suposta mãe da minha admiradora deposita uma bolsinha sobre o balcão. Depois de uma luta exaustiva, a menina consegue alcançá-la e dela tira um batom. Percebo seus movimentos, copiando os meus... por que ela iria querer ser como eu?
Dou uma risada, e continuo o meu trabalho. Sou tão adulta como uma criança que se pinta ou tão criança como uma adulta que se maqueia? Ela parece envelhecer um ano com aquele batom vermelho. Mais tarde ela vai querer limpá-lo. Logo depois, vai querer se embelezar de novo...
A mãe olha a sua cria e diverte-se. Se eu fosse ela, mandaria largar o batom. Ela não vê que a beleza da filha reside em não ocultá-la sob tintas e mais tintas? Olho pra mim mesma e penso se não é melhor tirar todo aquele peso sobre minha tez.
Imagino demais? A menina não entenderia nada do que eu entendo. Mas, ao sair, ela me lança um último olhar. Persistente. Eu leio seus olhos dizendo “quando crescer, quero ser como você”. Fico pensando se ela lê em mim uma vontade apertada no peito de ser como ela. Inocente, ignorante de tanta maldade e tanta alma errante no mundo.
Claro que não. Ninguém percebe a beleza inédita de ser o que se é e da época em que se vive.
Umedeço os lábios pintados de vermelho. Estou pronta pra sair do banheiro.